Quando Denis recebeu o telefonema da empresa de contabilidade onde tinha se candidatado à vaga de vigia noturno gritou de felicidade, após vários meses desempregado era tudo o que ele precisava.
No dia seguinte às sete da noite ele já estava em seu posto, seu turno era de doze horas que não seriam tão monótonas, pois tinha trazido um radio a pilha para escutar enquanto vigiava os monitores das câmeras de segurança.
“Aqui é a sala de monitores, você passa quase toda a noite sentado e olhando os monitores das salas. O quadro de chaves da empresa esta do lado da porta no caso de você precisar abrir alguma, todas tem etiqueta. A cada três horas faça uma ronda no pátio ao redor do muro para checar se esta tudo nos conformes. Na esquina do muro na parte de traz tem um relógio que você tem que bater ponto, só assim sabemos que você realmente fez a ronda.” – disse o vigia do dia explicando as regras do serviço.
Denis sentou-se na cadeira, ligou seu radio e fixou o olhar nos monitores. Algumas horas depois já com os olhos ardendo olhou para o relógio e realizou que já tinha passado alguns minutos do horário da ronda. Pegou sua lanterna e foi para o pátio e começou a andar ao redor do lugar, em um momento ele olhou para o prédio e viu o que parecia ser a silhueta de um homem no segundo andar olhando para ele.
“Quem está ai?” – gritou Denis correndo em direção ao prédio.
Ele correu para a sala de monitores e observando-os viu que não tinha ninguém em nenhum lugar do prédio. Seria sua mente pregando uma peça? Sentiu medo e solidão, estava de noite e não havia ninguém por perto e ele tinha certeza que viu alguém na janela então decidiu ir até o segundo andar para averiguar.
Quando ele saiu do elevador acendeu todas as luzes que pôde e começou a andar pelo lugar. A principio não ouviu nem viu nada. Continuou andando e notou que estava se aproximando da sala onde teria visto a pessoa, sacou a pistola por precaução, tentou abrir a porta, mas esta estava trancada. Pegou o molho de chaves quando escutou um barulho, a porta tinha aberto. Seu sangue gelou, mas ele foi em frente e entrou devagar, o rangido da porta fez seu corpo arrepiar de medo. Ele entrou na sala que estava vazia e escura, procurou o interruptor para ascender à luz, porém não encontrou.
Ele continuou andando na sala procurando algum vestígio da pessoa que vira alguns momentos atrás. Sem sucesso em sua busca ele ficou mais tranqüilo, pois tinha medo de ter problemas já no primeiro dia. Chegou perto da janela e olhou para o pátio vazio, novamente sentiu medo por estar só. Escutou um barulho de papel e quando se virou viu alguns papeis voando de uma das mesas.
“Deve ser o vento.” – pensou ele enquanto seu subconsciente lhe avisava de que não havia janelas abertas e não havia nenhuma corrente de ar. “Deve ser o vento.” – repetiu em voz alta.
Depois de voltar à sala de monitores, Denis colocou um pouco de café em sua xícara, aumentou o volume do rádio e voltou-se para os monitores, tudo calmo como era de se esperar.
“Desgraçado...” – gritou uma voz masculina no rádio com uma mistura de estática em meio a música fazendo o vigia saltar da cadeira.
A música continuou por alguns segundos.
“Você vai morrer e ninguém saberá.” – disse uma segunda voz.
A música continuou por mais alguns segundos e um som de disparo fez com que ele saltasse da cadeira outra vez. A música seguiu como se nada tivesse acontecido.
Já era uma hora da manhã e hora da próxima ronda. Denis não tirava as vozes que tinha ouvido no rádio da cabeça. Tentava enganar-se dizendo que tudo era fruto de sua imaginação, mas no fundo sabia que as vozes tinham sido reais. Com medo saiu para a ronda.
Depois de bater o ponto no relógio do muro voltou-se para o prédio e novamente viu a sombra no segundo andar. Desta vez não perguntou nada, ficou olhando a sombra e imaginando se alguma coisa estava criando aquela sombra, mas mal terminou de pensar e as luzes do prédio foram acendendo, sala por sala até que a sala onde a sombra estava se iluminou. Denis deu um grito de terror. A visão era terrível, um homem de terno cinza e camisa branca, com um furo na testa sangrando. O sangue escorria por seu rosto e molhava sua camisa. Andando para trás o vigia tropeçou no concreto que separava o asfalto da grama e caiu no chão, ao olhar novamente para o prédio se assustou vendo que estava novamente vazio e escuro.
Ele voltou ao seu posto e começou a observar o monitor da sala do segundo andar onde estava o suposto fantasma, mas a sala se encontra vazia. De repente a imagem desaparece e um sinal de estática toma conta da tela, em seguida uma nova imagem aparece, porém desta vez a imagem não é como a que vira antes.
Os móveis eram diferentes, mais antigos. Denis vê um homem abrindo um cofre e retirando uma pasta cheia de papeis, ele tinha certeza que este homem era o que vira na janela. O homem senta em uma das mesas e começa a ler os documentos. Um tempo depois outro homem entra na sala, pelos gestos que faziam dava para notar que estavam discutindo. O primeiro homem saca um revolver do bolso, a música do rádio novamente era interrompida e Denis escutou “Desgraçado”, que parecia ter sido dita pelo homem com a arma. O segundo homem da um salto para cima do primeiro e eles começam a lutar, depois de um tempo lutando o primeiro é desarmado. O segundo homem aponta a arma para seu oponente. Denis escuta “Você vai morrer e ninguém saberá” vindo do rádio e em seguida um disparo. Na tela, o atirador limpa a arma, a joga perto do corpo e sai da sala. O monitor volta a mostrar uma sala vazia e escura.
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No dia seguinte Denis chegou meia hora mais cedo para poder conversar com o guarda do dia.
“Bom dia Arnaldo, como vai?”
“Bem e você? Como foi sua primeira noite de vigia aqui?”
“Muito estranha, não quero que pense que eu sou louco, mas creio que vi coisas que não posso explicar.”
“Olha pode parar, o outro vigia noturno começou com essas histórias até que um dia saiu correndo no meio da noite e não voltou mais para trabalhar. Ligou e pediu que lhe enviassem os documentos assinar pelos correios, imagina, ele nem aqui quis voltar.”
“Ele dizia que via o espírito do doutor Flávio assombrando o prédio.” – disse a faxineira que limpava o chão por perto.
“Quem era esse homem?” – perguntou Denis.
“Para de colocar caraminholas na cabeça do Denis dona Maria, espíritos não existem.”
“Doutor Flávio era um dos donos da empresa, junto com o Maurício. Ele se suicidou aqui mesmo, as pessoas dizem que era porque a mulher o estava traindo, mas ela negou tudo. Maurício então tomou conta dos negócios até o filho do doutor Flávio, o Rodrigo, se formar e vir trabalhar aqui. Agora os dois gerenciam a empresa. Mas me conta, o que foi que você viu?” – perguntou a faxineira curiosa ignorando o pedido de Arnaldo.
“Nada de importante, deve ter sido impressão minha.” – respondeu Denis olhando o rosto desapontado de dona Maria. “Quando foi esse suicídio?”
“Doze anos atrás. Eu mesma limpei a sala depois do corpo ser retirado, eu acho que nunca chorei tanto em minha vida. O doutor Flávio era um homem generoso, foi ele que me deu o emprego e todos gostavam dele. Ninguém imaginava que um dia ele poderia fazer isso.” – disse Maria.
“Olha aqui a foto dos empregados na festa de natal do ano anterior ao suicídio. Esse era o Flávio, esse o Maurício e esse bonitão aqui sou eu.” Disse Arnaldo apontando uma foto.
Denis começou a tremer, observava a foto com terror, não somente tinha confirmado de que teria visto um fantasma, mas agora sabia da verdade sobre a terrível morte de doutor Flávio.
“Que isso Denis, parece que viu fantasma? Olha ai dona Maria, o homem esta pálido que nem papel.”
“Impressão sua e acho que já esta na hora de vocês irem.” – Respondeu Denis seriamente.
Ele sentou em sua cadeira a observar os monitores, porém sua mente estava longe, imaginando o que faria se o fantasma aparecesse de novo. E se conseguisse provas de que Maurício tinha assassinado Flávio. Iria limpar a imagem suja daquela família que a tantos anos vinha sofrendo com aquela mentira.
Denis decide ligar o rádio que até agora estava desligado por medo. Se o fantasma do doutor Flávio queria ajuda talvez se comunicasse novamente pelo aparelho.
Quando chegou a hora da primeira ronda, o vigia sentiu medo, estava aterrorizado com o fato de que poderia novamente ver o espírito do homem na janela, ainda mais com aquela ferida sangrenta na cabeça. Depois de bater o ponto confirmando sua ronda voltou-se para o prédio e para sua surpresa estava vazio. Ele sentiu um alívio, mas também ficou desapontado. “Será que me mostrei muito medroso e afugentei o espírito que precisava de ajuda?” perguntou a si.
Tentando tirar tudo da cabeça ele voltou ao seu posto. Sentou-se na cadeira e se serviu um pouco de café. Sentia-se feliz por não ter visto nenhuma assombração, talvez agora sua vida voltasse ao normal.
“Denis...” – disse uma voz masculina sussurrando bem perto de sua orelha.
O vigia saltou da cadeira deixando o café derramar em sua camisa. O medo era tanto que ele nem sentiu o café queimando sua pele. Ele olhou em volta, porém ali não havia ninguém. Os monitores e o rádio saíram do ar e somente o som e a imagem da estática apareciam. Alguns papeis que estavam por ali voaram de um lado para outro, uma sombra grande andava em sua direção.
“Me deixa em paz, eu não fiz nada para você.” – gritou Denis desesperado.
“Denis...” – repetia a voz no rádio.
Ele então correu para a porta tentando escapar do pandemônio que se formara ao seu redor. A porta que certamente não estava trancada era mantida fechada por uma força invisível. Tudo então se acalmou, Denis olhou ao redor e apesar da bagunça formada ali não via nada sobrenatural.
“Seis direita, quarenta e nove esquerda, quarenta e sete esquerda, trinta direita, nove direita.” – dizia a voz no rádio.
Denis olhou para os monitores e todos mostravam a sala de Maurício onde havia um cofre perto de sua mesa.
“Seis direita, quarenta e nove esquerda, quarenta e sete esquerda, trinta direita, nove direita.” – repetia a voz destorcida rádio.
Depois de ter anotado os números que possivelmente eram a combinação daquele cofre, ele se colocou a pensar nos riscos. O que teria naquele cofre de tão importante que um fantasma queria? O que faria se encontrasse algo?
Em um impulso levantou-se, foi até o cofre e o abriu com aquela combinação. Sentiu um calafrio e uma brisa leve passando por ele e uma das pastas que estavam dentro do cofre caiu no chão. Na capa da pasta estava escrito “Contabilidade Confidencial”. Voltando-se para a porta se assustou ao ver que o fantasma do doutor Flávio estava ali. Dando as costas o espírito saiu da sala, Denis correu a traz dele e o foi seguindo até que desapareceu na porta de um dos escritórios. O escritório era de Rodrigo, filho de Flávio. Ele entrou e decidiu que seria melhor deixar a pasta em cima de sua mesa, assim ele não teria que envolver-se quando a polícia chegasse.
No dia seguinte, Rodrigo chamou a polícia depois de analisar os papeis que comprovavam que Maurício havia roubado seu pai por anos e anos. Os policiais, agora sabendo a verdade sobre seus negócios ocultos ficaram desconfiados do suicídio de Flávio. Após horas de interrogatório e muita pressão conseguiram a confissão do assassinato.
De noite, durante sua primeira ronda depois de ter ajudado o fantasma Denis não sabia o que esperar. Quando olhou para o prédio viu o espírito novamente, este lhe acenou adeus, uma luz forte iluminou o lugar e foi diminuindo até se apagar. Denis entendeu que o espírito atormentado de doutor Flávio finalmente tinha encontrado a paz.