Mais uma noite quente na Califórnia, onde vivo desde que resolvi virar ator (ideia que não deu muito certo). Sem um mísero ar-condicionado, oque me resta é ir dormir sem cobertor ou com a janela aberta, se a taxa de criminalidade do meu bairro permitisse. Como algo que não tinha muita certeza de ser comida e vou me deitar, já se passam das três da manhã e me sinto desconfortável, não só pelo calor me consumindo, mas é como se estivesse sendo observado de perto por algo que desaparecia toda vez que me virava em sua direção. E para Alimentar meus medos, em cima da minha cama se encontrava uma folha.
Uma folha? Como assim? essa parte da cidade nunca viu uma árvore e mesmo assim, a janela estava fechada. Sinto um vento frio e decido dormir, sem cobertor e com a janela fechada.
4:00 AM: Não sinto mais minha cama embaixo de mim, mas ainda é o meu quarto. Toda a noção de gravidade se foi e aqui estou eu, praticamente levitando. Quando sinto mãos me puxarem para baixo, caio em uma velocidade inimaginável, quando percebo que aquilo não é o meu quarto e sim um profundo buraco que se abriu no chão e que agora se fecha acabando com qualquer possibilidade de fuga. Caio no chão, mas minha surpresa é tamanha que mal sinto a dor. Eu estava em um lugar lindo (daqueles que citam nas canções), céu de marmelada, flores de lilás e uma grama incrivelmente verde. Está escurecendo e não tenho um lugar para ficar, decido continuar andando.
Já é noite e aqui é frio e úmido e sinto criaturas saindo de suas tocas para caçar, não sei que mundo é esse e o que vive nele. Subo em uma árvore para observar melhor e vejo, o que nunca deveria ter visto. Lá estava ele sentado num buraco raso feito no chão se corroendo de ódio, seus olhos estavam injetados de vermelho e começavam a sangrar toda vez que ele se mexia. Era enorme, poderia acabar com facilmente dez homens de uma vez, dentes grandes e amarelos onde jaziam pedaços de pele, ossos e alguns cabelos, Humanos.
Eu não podia correr e nem ficar ali. por ironia do destino eu estava preso em uma famosa expressão: Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come.
E isso dava pra ver nos dentes e nas garras da criatura. Meu coração bate tão rápido que me pergunto se ele pode me ouvir, (então ele vira seu corpo em minha direção, seus dentes estão ainda maiores e seus olhos agora são negros com uma estranha luz vermelha). Sim, ele pode me ouvir. Corro em desespero sentindo a fera me arranhando com seus dentes toda vez que tentava me alcançar. Eu não aguentaria por muito mais tempo, vejo uma beirada que apresentava (uns dez metros abaixo) o mar, glorioso, livre e cheio de pedregulhos afiados em baixo. Mas era a minha única opção. Pulei. Vivi, por uns 3 segundos antes de bater com a cabeça
em uma pedra submersa.
Me acordo numa caverna alta, há uma fogueira no centro e algo cozinhando. Vou até a saída da caverna e vejo os pedregulhos e o mar
quase me convidando para cair novamente, tão limpo, tão livre, tão belo... algo me puxa para dentro, não tinha percebido que enquanto falava quase caí novamente.
- Acho que uma vez já é o suficiente, não acha rapazinho? - Me diz uma velha enrolada em roupas que um dia foram brancas.
- A-acho que sim, o que você é e oque quer comigo? - Respondo pronto para atacar a velha. que agora me olha com um sorriso materno.
- Sou seu socorro, seu a parte do seu cérebro que não vai te deixar morrer. Eu sou você, mas somente a parte que você precisa.
Olho para a louca, para as paredes sujas de algo que pensei ser sangue velho e coagulado, o fogo e a comida que cheirava tão bem e então cai a ficha: Eu não caí num buraco, eu não corri de uma besta e eu não estou escondido numa caverna. É um sonho, por isso nada faz sentido. - A velha lê meus pensamentos e diz: Não meu querido, isso não é um sonho. isso é o mundo dele e aponta para o fundo da caverna onde se escondiam as estranhas luzes vermelhas. Não há tempo para mais nada, vejo a velha se contorcendo no chão, sucumbindo à sua própria loucura, a besta se aproximando e ao chegar perto do fogo percebo que o que estava cozinhando eram os restos da besta a velha tomava conta dele, tudo oque antes eu vira nos dentes dele estava agora naquela panela. E eu seria o próximo.
Corro para a saída sem me preocupar com o que há embaixo, pulo e caio de um pulo tão pequenos que pareceu infantil. Ao olhar para trás, nada de caverna
nada de velha doida se contorcendo. Apenas um hospital e pelas placas de aviso e as trancas nas portas deu pra ver que era um hospício, mas o detalhe é que estava tudo apagado e oque me guiava era uma lanterna de uma luz fraca que inexplicavelmente pareceu na minha mão. Procuro a saída mas aquele corredor não tinha fim, a única opção seria entrar numa das salas. Entro em uma sala cinza, com paredes desbotadas, água acumulada nos cantos e uma cadeira longa e inclinada bem no meio. Um armário ficava numa parede mais ao fundo atras da cadeira. Estou esgotado, um cansaço enorme me possui e decido me sentar na cadeira. Ah, nada melhor do que um belo descanso após um dia tão longo. Até que sinto mãos agarrando meus pés e meus braços, médicos loucos estão me agarrando e vejo algo que reconheci de vários filmes que já assisti: Um quebrador de gelo, um martelinho e um médico segurando os dois enquanto outro mantinha minha cabeça imóvel. Eles iam me fazer uma lobotomia.
Simplesmente apagar minha memória, minha personalidade e me deixar morto, mas ainda vivo. e esse procedimento seria bem doloroso.
Me rendo, não aguentava mais correr e nem ver coisas surreais. Mas não morreria como qualquer outro, estava pensando no que falar quando o
médico que segurava as ferramentas me disse: Parabéns, você se superou dessa vez! Conseguiu chegar até aqui sem ser carregado. Espero que
amanhã você decida comer o que a doce velhinha estava cozinhando, quem sabe você pode passar por nós e finalmente entrar lá.
Confuso pergunto: Hã? Eu já estive aqui antes? Não é possível, quem é aquele monstro? por que ele me quer? e onde eu finalmente entraria?
Com um sorriso no rosto e se aproximando cada vez mais ele me fala ao ouvido:
-Nós te arrastamos todas as noites para você entrar lá e tudo o que aquele monstro faz, é tentar te impedir.
- Me impedir de que?
- De entrar no inferno.
6:00 AM - Estou no meu quarto e sigo com a minha vida normal, como sempre fiz. Mas hoje é diferente, é o meu último dia aqui. Agora eu sou um deles e quando você for dormir, ali sozinho no escuro, envolvido num silêncio mortal e sentir que algo está te observando, não se preocupe, somos só nós, te convidando para fazer a sua jornada, novamente.